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Autores:
Prof. Dr. Jorge Paulete Vanrell
Profª. Lic. Maria de Lourdes Borborema Campos
Para obter a identificação de um indivíduo através da Odontologia Forense, não resta dúvida que o mais importante é poder fazer um estudo minucioso da dentadura questionada, de modo a poder captar o maior número de informações que permitam a sua caracterização.
Em se tratando de uma ossada, é muito mais simples, porquanto podem se estudar ambos os arcos, superiores e inferiores, separadamente. Já quando se trata de um cadáver fresco, completo ou de uma cabeça decepada – coisa freqüente quando o homicida pretende que não se identifique o cadáver – deverá proceder-se à retirada do arco maxilar e do arco mandibular, para facilitar o manuseio, obtendo toda a informação dental, inclusive permitir a tomada de radiografias.
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Esta retirada, de forma sistemática, pode ser efetuada pela técnica de LUNTZ:
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- duas incisões bilaterais, nas bochechas, formando um ângulo de abertura posterior, a partir da comissura labial de cada lado;
- a incisão superior prolonga-se até o arco zigomático;
- a incisão inferior, prolonga-se até o ângulo mandibular ou gônio;
- retirar as partes moles da mandíbula (inserções dos músculos mastigadores);
- desarticular a articulação têmporo-mandibular;
- realizar uma incisão, em ferradura, acompanhando, internamente, o rebordo inferior da mandíbula;
- aprofundar esta incisão de modo a alcançar o assoalho da boca, secionando todas as inserções musculares, até isolar completamente a mandíbula.
- O arco maxilar ou superior é isolado através de um corte horizontal, feito com auxílio de serra e escopro;
- o corte se inicia na espinha nasal anterior prolongando-se até atingir as lâminas verticais dos ossos palatinos e processos pterigoidéos do esfenóide.
Para obter os arcos ósseos limpos:
- ferver os arcos assim retirados em água, contendo detergente e, em querendo, alguns cristais de soda cáustica;
- realizar, então, a limpeza manual, com rugina (legra) e pinça, dos restos de partes moles;
- proceder, por fim, ao branqueamento dos ossos com água oxigenada (30 volumes), onde podem ser deixados 24 horas;
- secar as peças.
Com os ossos assim preparados, realiza-se com facilidade, o estudo minudente de ambos os arcos e de cada uma das peças dentárias, de modo a obter todas as informações de interesse odonto-legal, para que possam ser transferidas para a respectiva ficha odontológica.
Completado este estudo das peças isoladas, rearticulam-se os arcos com o auxílio de massa plástica, e se toma uma radiografia panorâmica, a que complementará às primeiras, mostrando um grande número de pontos de grande valor na identificação, sendo certo que a documentação radiográfica possibilitará um amplo cotejo com qualquer outra radiografia panorâmica, feita “in vivo”, ou com as radiografias isoladas que tenham sido obtidas em consultas clínicas prévias.
No caso específico dos cadáveres carbonizados, tanto os dentes sadios como aqueles que tenham sido alvo de tratamentos restauradores, resistem bastante a ação do calor, quando permanecem “in situ”, a boca com os lábios fechados (o que é raro), formando uma câmara úmida protetora.
Dos materiais protéticos, a amalgama é o mais frágil ao calor. Já as porcelanas, os compostos (resinas + minerais), os cementos e o ouro, são resistentes ao calor (fundem entre 800 e 1.400 ºC)
Os fotopolímeros, cuja cor se assemelha à dos dentes, podem ser facilmente reconhecidos com o auxílio da luz ultravioleta, com a qual apresentam fluorescência entre branco-azulada e branco-esverdeada.
As peças dentárias submetidas, em forma isolada, diretamente à ação do fogo, podem produzir-se fissuras já a 150 ºC. Com temperaturas de 270 ºC, as raízes se tornam de cor negra; com 400 ºC ocorre a queda espontânea da coroa, quando o dente está sadio ou, então, a coroa se pulveriza, quando existem caries ou infiltrações.
A 800 ºC carboniza-se o esmalte, que se torna azul, sendo que a dentina é mais resistente ao fogo. As raízes dos dentes calcinados mostram-se curvadas, podendo facilitar a confusão com as dos animais.
Ficha odontológica para a identificação forense
A ficha odontológica que se utiliza para a identificação forense é algo diferente à que se utiliza na clínica. Com efeito, a ficha de identificação deve conter um número maior de informações que facilitem a indentificação de uma vítima.
Existe uma ampla variedade de modelos, sendo difícil poder indicar qual é o melhor. O que se podem indicar são as características que uma ficha deve preencher para ser funcional:
- tem que ser fácil de usar;
- deve contar com espaços suficientes para recolher todos os dados identificadores, como:
- falta de peças dentárias;
- alterações, congênitas ou adquiridas das peças dentárias remanescentes;
- restaurações odontológicas;
- obturações;
- próteses, fixas e móveis;
- radiografias obtidas etc.
Uma boa ficha odontológica, para fins de identificação forense teria de contar, ao menos, com os seguintes tópicos:
- sistemas de numeração das peças dentárias;
- diagrama para o registro das particularidades morfológicas das coroas de cada dente, e
- um local para registrar, se necessário, algumas outras características odontológicas de especial interesse como e.g. radiografias, próteses, obturações, restaurações etc.
Sistemas de numeração das peças dentárias
Existem numerosos sistemas de numeração, todavia, o mais aceito e utilizado é o da Federação Dental Internacional (FDI), conhecido como “sistema de dois algarismos”, no qual se representam os dentes por um par de números, o primeiro dos quais, indica à qual dos hemiarcos pertence a peça dentária, e o segundo, indica qual é o dente.
Na dentição definitiva o primeiro dígito vai do 1 à 4, representando os quadrantes seguindo-se sentido horário. O segundo dígito – de 1 a 8 -, representa a peça correspondente desde o incisivo central até o molar distal. Na dentição temporária, os quadrantes representam-se com os números de 5 à 8, e as peças dentárias, de 1 a 5.
Diagramas
Existem, outrossim, diversos modelos de diagramas onde se podem registrar as diferentes particularidades presentes nos dentes. Não obstante, toda essa variedade de diagramas pode ser reduzida a dois tipos fundamentais: o sistema lineal, e o sistema em forma de arco. Em ambos os casos representam-se, de forma esquemática, as faces oclusais dos diferentes dentes, e é nelas que se registam, nos respectivos lugares, os tratamentos odontológicos: obturações, restaurações, coroas etc.
Na figura acima, está reproduzido um dos diagramas mais utilizado – é o que usa a Interpol -, que é de uso fácil e bastante prático para realizar os confrontos de achados que posam levar à identificação de uma pessoa. Como se vê é formado desenhos bem simplificados e numerados, que se agrupam em quatro quadrantes superpostos.
Seção para características especiais
Por derradeiro, reserva-se na ficha uma parte que permite anotar, para cada caso, trabalhos odontológicos de interesse especial para a identificação, bem como fazer constar radiografias apicais, radiografia panoramica (ortopantomografia), “intra vitam” e “post mortem”, e/ou outras informações que se tenham levantado.
Com estas indicações, pode-se elaborar uma ficha odontológica que permita ao perito recolher adequadamente, no caso concreto, os dados passíveis de serem empregados no procedimento de identificação odontológica.
Formulário de achados dentais
Um bom exemplo de ficha dental é o “formulário de achados dentais”, que consta do prontuário para identificação de vítimas, em uso pela Interpol e que de utilização simples, anotando todas as observações, seguindo instruções precisas, quanto à marcação.
Nesta esteira, as peças dentárias perdidas “in vivo”, marcam-se com um X grande ao passo que os perdidos depois da morte, marcam-se com um círculo. Quanto às restaurações, usa-se a cor preta, para marcar amálgamas, a côr vermelha, para indicar trabalhos feitos em ouro, e a cor verde, para os materiais polimerizados. As cáries marcam-se com “x” pequenos grifados sobre a face atingida pelo processo.
Peculiaridades da Perícia em Odontologia
A perícia, em Odontologia, reveste-se de alguma características próprias que vão além da mera constatação anatômica da lesão, adentrando pelos caminhos funcionais. Pela sua clareza permitimo-nos transcrever trecho do texto do Prof. Genival Veloso de França, uma vez que sintetiza, de maneira muito clara, estes conceitos.
“Quanto aos dentes, há necessidade de que a perícia venha a distinguir com sutileza o valor de cada peça, levando em conta as suas funções mastigatória, estética e fonética, de acordo com o interesse de cada exame (ver Quadro).
Valor estético, fonético e mastigatório dos dentes
(Dueñas, in Betran, apud Arbenz)
Peça dentária |
Valor estético |
Valor fonético |
Valor mastigatório |
Incisivo central |
100 |
100 |
40 |
Incisivo lateral |
90 |
90 |
40 |
Canino |
80 |
80 |
70 |
1º pré-molar |
70 |
50 |
60 |
2º pré-molar |
60 |
40 |
70 |
1º molar |
50 |
— |
100 |
2º molar |
40 |
— |
90 |
3º molar |
— |
— |
— |
Hentze, in Michellis, apud Penna, para os 100% da integridade da função mastigatória de cada dente, estabelece os seguintes percentuais para um hemi-arco (que representa apenas 25 % do total da arcada dentária, o total sendo 25 % X 4 = 100 %):
Peça dentária
% funcional mastigatório
Incisivo central
1 %
Incisivo lateral
1 %
Canino
2 %
1º pré-molar
3 %
2º pré-molar
3 %
1º molar
5 %
2º molar
5 %
3º molar
5 %
Alvaro Dória, in Raimundo Rodrigues, apud Arbenz, para os 100% da função estética, propõe os seguintes valores para um hemi-arco (que representa apenas 25 % do total da arcada dentária):
Peça dentária |
Percentual estético |
Incisivo central
6 %
Incisivo lateral
6 %
Canino
6 %
1º pré-molar
5 %
2º pré-molar
2 %
1º molar
0 %
2º molar
0 %
3º molar
0 %
E quanto à função fonética, avalia-se em cada peça dentária uma perda percentual nos seguintes índices para um hemi-arco (que representa apenas 25 % do total da arcada dentária):
Peça dentária |
Perda fonética |
Incisivo central
8 %
Incisivo lateral
8 %
Canino
6 %
1º pré-molar
2 %
2º pré-molar
1 %
1º molar
0 %
2º molar
0 %
3º molar
0 %
Há outros que ainda consideram um coeficiente de antagonismo, como sendo um percentual de perda em relação à diminuição da função do dente que fica em seu sentido oposto, em face da redução de sua função. Para eles, esse valor chega a 50% daquele mesmo dente que falta.
Por outro lado, observa-se na prática que os peritos quando respondem aos quesitos relativos à debilidade e à perda funcional, nesse particular, levam em conta apenas os índices mastigatórios relativos às peças dentárias lesadas, omitindo os coeficientes estéticos e fonéticos da vítima.
Assim, Moreira (Paraiba), propõe um coeficiente integral para as lesões dos dentes, que ele chama de índice Geral de Lesões Dentárias (IGLD), onde são compulsados todos os valores, referentes a cada uma das funções das peças dentárias, nas seguintes proporções:
14423434 | 43432441
IGLD =¾¾¾¾¾¾¾¾¾¾¾
24423433 | 33432442
Justifica as perdas atribuídas aos terceiros molares, não valorizadas em alguns índices, em face das disponibilidades de novas tecnologias onde esses elementos dentários possam merecer um certo destaque na preservação das arcadas dentárias e na possibilidade do uso de próteses.
No que se refere aos prejuízos produzidos por agressão em próteses ou em dentes destas, pensamos tratar-se de um dano à coisa material, interessando tão-só às questões de direito patrimonial (prejuízo econômico).
Outro fato relevante: um traumatismo sobre a dentição temporária, que se completa em tomo de dois anos e meio, quando traumatizada em uma de suas peças, pode acarretar graves repercussões sobre o dente que está se formando, tais como hipoplasia do esmalte, malformação radicular, retardo ou ausência da erupção, oclusão defeituosa, malformação da coroa, retardo ou parada na formação da raiz, entre outros.
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Fonte: Site Pericias Forenses