*Vera Lúcia Pivello
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Os antiinflamatórios do grupo dos coxibs, dos quais permanecem em comercialização o celecoxib (Celebra(r)) e o etoricoxib (Arcoxia(r)), entraram no mercado a partir de 1999 como alternativas vantajosas para pacientes com problemas gastrintestinais – gastrites, úlceras, sangramentos gástrico ou duodenal. Foram apresentados como medicamentos seletivos, com potencial antiinflamatório e analgésico equivalente ao dos antiinflamatórios já conhecidos, sem provocar os efeitos gastrintestinais daqueles. Embora toda expectativa em torno dessa nova classe de medicamentos (visto que os antiinflamatórios não-corticóides ou não-esteróides – os chamados AINE – situam-se como as drogas mais prescritas em todo o mundo), vários estudos clínicos trouxeram novo olhar sobre este grupo.
As limitações referem-se à elevação do risco de eventos adversos cardiovasculares, especialmente o aumento da incidência de infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular cerebral (AVC). Esses fatos levaram à retirada do mercado o rofecoxib (Vioxx(r), em 2004), o valdecoxib, em sua apresentação oral (Bextra(r), em 2005) e por último o lumiracoxib (Prexige(r), em julho de 2008).
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O mecanismo que tornaria os coxibs tão interessantes (pois, com a mesma potência analgésica e antiinflamatória dos AINE anteriores, não mostrariam efeitos adversos gastrintestinais), começou a ser mais bem elucidado a partir dos anos 1990: os AINE – todos eles, de modo geral – agem bloqueando a enzima cicloxigenase-2 (COX-2), que catalisa a reação do ácido araquidônico, (ácido graxo presente nas membranas celulares), levando-o à formação de prostaglandinas pró-inflamatórias.
As prostaglandinas estão envolvidas em diversos processos, tanto fisiológicos como patológicos: vasodilatação ou vasoconstrição contração ou relaxamento da musculatura brônquica ou uterina hipotensão ovulação aumento do fluxo sangüíneo renal proteção da mucosa gástrica (com aumento da secreção do muco protetor) resposta imunológica e hiperalgesia, dentre outras funções.
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Foram caracterizadas duas isoformas principais da cicloxigenase: a cicloxigenase-1 (COX-1) e a cicloxigenase-2 (COX-2), já citada. A primeira está presente em condições fisiológicas, principalmente nos vasos sanguíneos, plaquetas, estômago e rins. A COX-2, que se pensava estar presente apenas em situações inflamatórias, na verdade interfere em várias respostas fisiológicas, como transmissão de impulsos dolorosos, ação anti-aterogênica e vasoproteção (graças à prostaciclina, seu principal produto, que é um potente vasodilatador e anti-agregante plaquetário).
Voltando aos coxibs, sua ação antiinflamatória deve-se à inibição seletiva da COX-2, preservando a COX-1. Então, bloqueiam a isoforma da COX responsável pela inflamação (a COX-2) não interferindo com a COX-1, protetora do estômago.
Que ótimo! Seria possível prescrever AINE com muito mais segurança, melhor tolerância e com a mesma resposta analgésica e antiinflamatória.
Dez anos depois, foi possível verificar que as coisas não correram exatamente dessa forma: a inibição da COX-2 e manutenção da COX-1, para quem precisa usar AINES por um tempo maior (um ano, ou mais) mostrou, através de vários estudos clínicos, um aumento significativo da incidência de eventos trombóticos agudos.
Assim, constatou-se que a ativação da COX-1 – protetora da mucosa gástrica – também é responsável por efeitos vaso-oclusivos, como agregação plaquetária, vasoconstrição e proliferação de músculo liso no interior do vaso. E que a COX-2 (a isoforma envolvida no desenvolvimento da inflamação) é responsável também por vasodilatação, inibição da agregação plaquetária e da proliferação de músculo liso vascular.
É possível então visualizar que o mecanismo dos coxibs (inibição da COX-2 / preservação da COX-1) pode prejudicar o mecanismo do endotélio contra a agregação plaquetária, favorecendo o desenvolvimento de trombos cardíacos, e suas conseqüências.
Outro fato importante, embora ainda não-conclusivo, é a interação medicamentosa prejudicial entre a aspirina (em sua utilização como anti-agregante plaquetário) e os inibidores (especialmente os não-seletivos) da COX.
A aspirina é uma importante alternativa para o tratamento profilático de doenças de elevado risco tromboembólico, como infarto do miocárdio. No caso de utilização em conjunto com um AINE, poderá ocorrer uma competição entre a aspirina e o antiinflamatório, pelos sítios de ligação com a enzima. Ocorreria um bloqueio do acesso da aspirina aos seus locais de ligação, prejudicando o seu efeito cardioprotetor.
As alternativas possíveis para pacientes com risco tromboembólico que necessitem de terapia com antiinflamatórios, segundo o American College of Cardiology (ACC), são as seguintes:
• Uso continuado de aspirina em baixa dosagem, quando indicado
• Considerar alternativas aos AINE, como o uso de medicação tópica
• Os inibidores específicos de COX-2 devem ser utilizados quando há risco significativo de sangramento gastrintestinal, desde que não haja risco elevado de doença cardiovascular
• No caso do uso de inibidores específicos de COX-2 ser imprescindível, o paciente deve estar ciente dos riscos destes fármacos assim, a dose deve ser a mais baixa possível e o tempo de tratamento o mais curto possível.
• Complementando, não há estudos que mostrem segurança na utilização destes antiinflamatórios em pacientes menores de 18 anos.
Órgãos de fiscalização, como o FDA americano, receberam críticas severas sobre o controle e a fiscalização de tais medicamentos, no sentido de que deve haver uma educação contínua dos profissionais de saúde e orientação dos pacientes, mudanças nas bulas e nas indicações de uso e restrição do uso em determinados grupos de pacientes, entre outras providências.
Concluindo, o que temos até agora é que este grupo de antiinflamatórios inibidores seletivos da COX-2 apresenta limitações, pelos efeitos adversos expostos e pela própria resposta antiinflamatória, que não se mostrou superior aos AINE mais antigos. Tal constatação vem confirmar a cuidadosa avaliação necessária ao se prescrever estes fármacos como antiinflamatórios. No entanto, outros usos para agentes com ação nas ciclooxigenases estão sendo estudados, inclusive no tratamento do câncer e da doença de Alzheimer – assim, o interesse por drogas com este perfil permanece tão atual como era há anos atrás.
Vera Lúcia Pivello
Farmacêutica-bioquímica
Fontes de Consulta:
ARAÚJO, L. F. et al. Eventos cardiovasculares: um efeito da classe dos inibidores da COX-2. Arq. Bras. Cardiol., v. 85, São Paulo, set/2005.
Disponível em www.scielo.br . Consulta em 16/08/08.
CARVALHO, A. C. CARVALHO, R. D. S. RIOS-SANTOS, F. Analgésicos inibidores específicos da cicloxigenase-2: avanços terapêuticos. Rev. Bras. Anestesiol., v. 54, mai/jun/2004.
Disponível em www.scielo.br. Consulta em 15/08/08.
KUMMER, C. L. COELHO, T. C. R. B. Antiinflamatórios Não Esteróides Inibidores da COX-2: Aspectos Atuais. R ev. Bras. Anestesiol., v. 52, jul/ago/2002.
Disponível em www.scholar.google.com.br . Consulta em 18/08/08.
Fonte: Site APCD