Recentemente, o Brasil recebeu a informação de que o ex-presidente Lula foi diagnosticado com câncer na laringe. Ao tornar público o seu diagnóstico, além de desencadear demonstrações de apoio, solidariedade e empatia; estimular discussões sobre o sistema público de saúde dos brasileiros (em redes sociais, sites e rádios locais); Lula também contribuiu para chamar atenção sobre a patologia que o afeta, permitindo-nos a oportunidade de informar à população sobre uma doença que atinge milhares de brasileiros e que, felizmente, pode ser evitada.
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Entre os cânceres de cabeça e pescoço, o de laringe é o segundo mais frequente. Ele representa 25% dos casos nesta região, perdendo apenas para o câncer de boca – o mais prevalente. Cerca de 9.500 novos casos ocorrem por ano no Brasil, o que confere ao nosso país o 2º lugar do mundo com maior incidência desta doença, superado apenas pela Espanha.
O tabagismo é o principal responsável pelo câncer de laringe. O hábito de fumar eleva o risco de desenvolver câncer em até 14 vezes, comparando-se fumantes com não-fumantes. Se for associado ao consumo de bebidas alcoólicas, este risco pode ser 43 vezes maior. Tanto o tabaco, quanto o álcool, confere risco elevado para o surgimento do tumor, entretanto, a sua associação potencializa a ação carcinogênica das substâncias presentes no cigarro sobre a mucosa da laringe. Como possíveis contribuintes, aparecem a poluição atmosférica, a exposição profissional a produtos químicos, o refluxo de ácido do estômago até a garganta, e a infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV).
A laringe é o órgão responsável pela geração da voz, com papel fundamental também na respiração e na deglutição. Ela está dividida em três partes: região glótica (onde estão as pregas vocais), a infraglótica (logo abaixo), e a supraglótica (acima das pregas vocais). Os tumores se apresentam de forma diferente em cada um destes locais, resultando sintomas, agressividade, tratamentos e prognósticos distintos.
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O tumor das pregas vocais é o mais frequente, cerca de 2/3 dos casos, e os homens são os mais afetados. Tem maior chance de cura, e o que permite o diagnóstico mais precoce, através de seu principal sintoma: rouquidão. Toda rouquidão, que dure mais de 15 dias, deve ser avaliada por um especialista, através de um exame de videolaringoscopia – o único capaz de detectar tumores com milímetros de diâmetro. Nesta fase inicial, exames como tomografia computadorizada ou ressonância magnética podem não detectar a doença. Com cirurgia (pelas técnicas atuais conseguimos preservar a voz e a respiração normal) ou radioterapia, atingimos taxas de cura em torno de 90%.
Por outro lado, na supraglote os tumores produzem pouco ou nenhum sintoma precoce. São mais agressivos, podem gerar metástases para gânglios no pescoço, e tem na combinação fumo-álcool sua principal causa. Os sintomas iniciais são vagos e relacionados à deglutição. Os pacientes referem um desconforto para engolir, sensação de corpo estranho ou de “espinha de peixe” na garganta. Após algum período, que pode ser de meses, apresentam dor de garganta, pigarro, dor e dificuldade para engolir, rouquidão e caroço no pescoço – que denotam doença avançada. O tratamento com maior taxa de cura é a cirurgia, complementada por radioterapia.
Entretanto, estas cirurgias podem levar à perda da voz, ou à necessidade de uma traqueostomia para respiração (abertura na traquéia feita na base do pescoço). Em alguns casos pode-se optar pela associação de radioterapia e quimioterapia, que oferece uma possibilidade de preservação da laringe. Para detecção precoce do câncer supraglótico, recomenda-se que todo fumante, principalmente os que também bebem, faça um exame de videolaringoscopia anualmente, mesmo que não sinta nada.
Na medicina, e principalmente na oncologia, a prevenção é o melhor remédio. O tabagismo é responsável por até 95% dos casos de câncer de laringe, e o abandono deste hábito é a principal atitude de prevenção. São necessários cerca de 15 anos sem o cigarro para que o risco de desenvolver câncer na laringe seja igual ao de quem nunca fumou. Portanto, não perca tempo, pare de fumar!
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*Cirurgião de cabeça e pescoço, professor de Cirurgia e Otorrinolaringologia da Famed/Furg
Fonte: Jornal Agora