O Brasil tem hoje 220 mil dentistas trabalhando, de acordo com a Associação Brasileira de Odontologia (ABO). Isso significa que aqui trabalham perto de 10% de todos os dentistas do mundo. O que isso não significa, porém, é que a saúde bucal dos brasileiros vá bem – até porque 20 milhões de pessoas no país jamais fizeram nem sequer uma consulta com um dentista.
-
-
Além da falta de acesso aos profissionais da área, há uma série de outros problemas que impedem a situação de ser melhor: há falta atendimento básico e especializado; alguns estados das regiões Norte e Nordeste não adicionam flúor à água (o que ajudaria a prevenir a aparição de cáries); e faz só cinco anos que o país adotou uma política pública nacional para o tema.
Atendimento gratuito é elogiado em Curitiba
A garçonete Mariléia Kniss, 33 anos, é só elogios para os dentistas da sua unidade de saúde, no bairro Augusta, na zona Oeste de Curitiba. Na semana passada, ela e a filha, Amanda, 6 anos, foram a consultas por três dias seguidos fazer a restauração de cáries. Cada uma tinha três cáries e ela calcula que, se fosse procurar um serviço particular, gastaria cerca de R$ 250 somente para uma pessoa. Isso equivale a um quarto do salário dela, que não passa de R$ 1 mil. Durante o atendimento, Amanda foi estimulada a deixar de lado a mamadeira, a grande causadora dos problemas bucais da menina. “Até um brinquedo a dentista deu para estimular. Peguei uma senha e fui atendida no mesmo dia. O atendimento vale muito a pena. Adorei o resultado”.
-
-
Pastoral tem 300 mil pessoas trabalhando
Em meio à falta de políticas públicas nacionais, uma ação da Pastoral da Criança chama a atenção pela grande mobilização dos voluntários. As equipes da pastoral recebem treinamento para orientar famílias pobres sobre a higiene e cuidados com a boca. O foco são as crianças, mas todos os familiares acabam beneficiados. Calcula-se que os 300 mil voluntários já tenham chegado a 30% das famílias brasileiras.
O objetivo da pastoral é formar multiplicadores que possam levar as informações ao maior número possível de famílias. Os voluntários também cobram políticas públicas e acionam a rede de atendimento do SUS. O assessor técnico de saúde bucal da pastoral, Eduardo Peixoto Santos, explica que, por exemplo, quando há indício de cárie, a orientação é que a mãe procure a unidade de saúde. “Estamos mudando o mito de que odontologia não é para bebês. A prevenção começa quando ainda não há dentes na boca.”
Alto custo do tratamento odontológico afasta a população
Para dentistas que atendem pacientes particulares a situação também não é fácil. O alto custo dos insumos faz que com os serviços fiquem caros e, assim, a maior parte da população não consegue pagar por eles. A odontologista Roberta Kuczkowski conseguiu driblar o concorrido mercado e instalou seu consultório em Colombo. A saída para atrair clientes de classes populares foi estender a garantia e fazer parcelamentos longos. Os preços são, em média, 20% mais baratos que no centro de Curitiba, mas para isso a dentista teve de reduzir o seu ganho.
A dentista Ana Paula Tesini, da Sorridents Clínicas Odontológicas, acredita que o poder público deveria estimular mais o cuidado com os dentes. “Não são distribuídas camisinhas em escolas? Por que não escovas de dente?”.
Em 2003, o governo federal realizou uma espécie de censo dentário. O estudo intitulado “Condições de saúde bucal da população brasileira” apontou um quadro grave que colocou o país como um dos mais defasados neste quesito. Até então, nunca havia sido construída uma política pública nacional voltada para esta área. Apenas 3% dos procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) eram especializados.
-
-
O programa Brasil Sorridente nasceu com a missão de criar, em parceria com os estados, centros de alta complexidade para tratar problemas graves que antes eram ignorados pelo Estado. De 2007 a 2010 a previsão de investimento é de R$ 2,7 bilhões. Mas, na opinião de especialistas, o Brasil ainda tem um longo caminho pela frente para tentar resolver problemas gerados por séculos de abandono.
O resultado é que o país é um dos campeões em número de dentes com cáries. Entre as crianças de 12 anos, a média é superior a três dentes cariados por pessoa. Na faixa etária dos idosos, o valor dobra. Os adolescentes são os mais excluídos da saúde bucal. Cerca de 14% deles nunca foram ao dentista e boa parte dos que foram (30%), já estava sentindo dor e não agiu de maneira preventiva como é o indicado.
Outro fator preocupante são as diferenças regionais. A maior parte dos dentistas está concentrada nas regiões Sul e Sudeste. O Norte e o Nordeste são mais prejudicados: têm maior índice de pessoas usando próteses (ou seja, que já perderam algum dente); maior índice de cárie na população; e menor índice de fluoretação da água.
Mesmo com os avanços já observados do Brasil Sorridente, o SUS ainda tem dificuldade de realizar serviço nas áreas de ortodontia e estética, consideradas essenciais. Quem precisa de um aparelho dentário não tem outra alternativa senão procurar um serviço privado. O mesmo ocorre com quem precisa, por exemplo, clarear um dente.
Bons exemplos
O Paraná e sua capital são tidos como bons exemplos por desenvolverem ações de prevenção há mais de 50 anos. Curitiba foi uma das pioneiras no país e desde 1958 a água que os moradores bebem recebe flúor. Isso fez com que, em cinco décadas, o índice em crianças de 12 anos caísse de 6,36 cáries por pessoa para próximo de uma cárie. O resultado é um dos melhores do Brasil, que tem o valor geral de 2,78 cáries por indivíduo. Quando se analisa o porcentual de municípios que fazem a fluoretação da água, este valor fica em 6 na região Norte. No Paraná, 98% das cidades estão cobertas por este benefício.
O atendimento básico é geralmente oferecido pelos municípios e o especializado fica a cargo dos estados, e mais recentemente há também a parceria com o governo federal. O programa Brasil Sorridente instituiu na equipe do programa Saúde da Família um dentista. Isso melhorou o acesso da população ao serviço. Dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) mostram que metade dos paranaenses já usufrui deste benefício por meio das mais de 1,7 mil equipes que fazem visitas às residências. Para o atendimento especializado, há no estado 42 centros.
A chefe da divisão de saúde bucal da Sesa, Michelle Christie Abboud, explica outra ação que rendeu bons resultados: há 28 anos o governo estadual realiza o bochecho com flúor em todas as escolas públicas. A partir dos 6 anos, as crianças são instruídas sobre a higiene bucal uma vez por semana.
Na capital, há 108 clínicas da prefeitura que fazem o atendimento dentário da população. Em quase todas as unidades de saúde há um profissional para realizar os procedimentos básicos. A cidade conta também com dois centros especializados em cirurgias e periodontia. Outro foco de ação é a prevenção nas escolas e com as gestantes. Equipes especializadas fazem teatro para os meninos e meninas e os dentistas acompanham as futuras mães no pré-natal explicando a importância da higiene na boca desde os primeiros dias de vida do bebê.
Em outubro deste ano, a prefeitura também iniciou uma campanha para conscientizar os pacientes sobre a importância de detectar precocemente o câncer bucal. A diretora do Centro de Informação da Secretaria Municipal da Saúde, dentista Raquel Cubas, diz que é necessário atuar em medidas preventivas. “Ainda há a questão cultural. Muitas pessoas esperam ficar com dor para procurar um profissional”.
Fonte: Gazeta do Povo