Embora relativamente raro, esse é um dos cânceres mais fáceis de identificar e diagnosticar. Se tratado cedo, normalmente tem cura. Então por que os especialistas consideram o câncer de boca tão problemático?
-
-
Apesar dos muitos avanços contra o câncer nas últimas décadas, as estatísticas sobre essa forma da doença permanecem desencorajadoras: mais de 60% dos casos são diagnosticados em seus estágios finais e as chances de sobrevivência após cinco anos são de decepcionantes 59%. Além disso, o câncer bucal está crescendo entre pessoas consideradas tradicionalmente de baixo risco, um fenômeno parcialmente atribuído ao aumento do papilomavírus, ou HPV, que pode levar ao câncer e é transmitido pelo sexo oral.
Agora alguns dentistas – cujos exames visuais são há muito tempo a primeira linha de defesa contra o câncer de boca – estão usando aparelhos de exame de imagem que afirmam poder ajudar a identificar o câncer e lesões pré-malignas.
Mas esses novos testes iniciaram um debate a respeito de custos e efetividade. Especialistas se dividem, discutindo se isso vai reduzir a mortalidade do câncer bucal ou simplesmente começar uma onda de biópsias caras e desnecessárias.
-
-
Ano passado, um estimado de 35,3 mil americanos descobriram que tinham câncer de boca e cerca de 7,6 mil pessoas morreram da doença. Para os sobreviventes, o câncer bucal pode ser doloroso, desfigurante e acabar com o paladar e o prazer do alimento. O fumo e o álcool aumentam o risco de desenvolver a doença, mas 25% dos diagnosticados não fumam nem bebem excessivamente. No entanto, o risco de desenvolver câncer bucal ao longo da vida – cerca de 1 em 99 – é muito pequeno se comparado aos cânceres de mama e próstata.
Como a doença é normalmente diagnosticada tarde demais, muitos especialistas acreditam que os exames podem reduzir sua mortalidade. Isso não foi provado, em parte porque existe uma escassez de pesquisas sobre câncer de boca.
Na verdade, ninguém sabe ao certo se mesmo o exame visual no consultório do dentista de fato salva vidas, embora a maioria dos especialistas em câncer bucal acredite que sim. A hipótese é baseada nos benefícios comprovados da detecção precoce de outros cânceres e as melhores chances de sobrevivência nesses casos – cerca de 80% cinco anos após o diagnóstico.
“Sabemos que em todos os cânceres nos quais detectamos uma redução na taxa de mortalidade – colo do útero, pele, mama – o que causou a queda foi a detecção precoce,” disse Brian Hill, sobrevivente de câncer bucal de Laguna Niguel, Califórnia, e um dos fundadores do grupo sem fins lucrativos Oral Cancer Foundation.
-
-
Um grande estudo da Índia, onde as taxas de câncer bucal são muito maiores que nos Estados Unidos, descobriu que quando pacientes de alto risco passavam por um exame visual, havia uma redução de 34% na taxa de mortalidade, em comparação a um grupo de controle que não passou por exames. Mas alguns especialistas afirmam que o resultado dessa pesquisa não pode ser aplicado à população em geral ou aos americanos.
A Sociedade Americana do Câncer e a Associação Americana Dental recomendam um exame visual regular. Contudo, embora ele geralmente seja coberto pelo seguro, nem todos os dentistas o realizam.
“Estudos mostram que a maioria dos dentistas sai da faculdade sem se sentir confortável com a prática,” disse o doutor Michael A. Siegel, professor e presidente de ciências do diagnóstico da Faculdade de Medicina Dental da Universidade Nova Southeastern, em Fort Lauderdale, Flórida.
Agora, empresas médicas estão fazendo propaganda de diversos novos testes e aparelhos a dentistas, afirmando que irão aperfeiçoar muito a detecção precoce do câncer de boca. Os aparelhos, que podem custar vários milhares de dólares, usam enxágües, corantes e diferentes tipos de luz para detectar células anormais.
Alguns especialistas afirmam que a nova tecnologia levará à detecção precoce pelo menos por ser um incentivo aos dentistas para realizar um exame de imagem. “Os testes mudam o paradigma com o qual atendem seus pacientes,” disse Siegel. “E por serem uma novidade, eles dizem, ‘vou experimentar.'”
Eles também podem cobrar pelo exame, e algumas seguradoras já começaram a dar cobertura à prática.
“Somos defensores do uso desses aparelhos porque existem coisas que os olhos podem não ver,” disse Hill.
Entretanto, nenhum estudo extensivo da população em geral comprova que esses aparelhos são melhores que o olho nu para a detecção, e não foi demonstrada sua capacidade de reduzir a mortalidade.
“Não existe prova de sua utilidade como detectores privilegiados, nenhuma prova,” disse o doutor A. Ross Kerr, professor-assistente da Faculdade de Odontologia da Universidade de Nova York.
Em pequenos estudos, os aparelhos detectaram com sucesso lesões potencialmente malignas que especialistas experientes deixaram passar com o exame a olho nu. Por exemplo, em um grupo de pessoas, um sistema de escaneamento chamado VELscope identificou todos os casos entre moderado e severo de displasia, ou células potencialmente pré-cancerígenas, em comparação a apenas 68% de um exame visual, disse o autor do estudo, doutor Edmond Truelove, professor e presidente da junta de medicina oral da Universidade de Washington. (Truelove não recebe financiamento da LED Dental, companhia da Colúmbia Britânica que fabrica o VELscope.)
Outro estudo com 688 pacientes de alto risco examinados por especialistas experientes descobriu que, quando apenas um exame visual era feito, o especialista requisitava uma biópsia de 12 das 30 lesões que se tornavam cancerígenas. Nos casos em que também era utilizado o azul de toluidina, corante que é um componente do teste ViziLite Puls, 29 das 30 lesões passavam por biópsia, segundo o autor do estudo, doutor Joel Epstein, professor de medicina oral da Universidade de Illinois, Chicago.
Mas acrescentou, “o que não sabemos é o que acontece quando se usa a mesma técnica em uma população de baixo risco por pessoas com menos experiência.” (Epstein disse que no passado recebeu compensações da Zila Pharmaceuticals, que fabrica o ViziLite, e atualmente recebe financiamento da companhia para um pequeno estudo.)
Os testes de imagem podem custar ao paciente entre US$ 35 e US$ 65, embora alguns dentistas não façam cobrança extra por ele. E os testes têm uma alta taxa de falsos positivos que podem levar a biópsias desnecessárias. Se uma lesão suspeita é detectada, os dentistas normalmente pedem ao paciente que retorne em duas semanas para checar se ela melhorou. Se não, pode-se fazer uma biópsia ou indicar um especialista ao paciente.
Alguns dentistas estão dizendo a seus pacientes que, devido ao aumento de câncer de boca ligado ao HPV, todos os adultos, não apenas os grupos tradicionalmente de alto risco, devem fazer um teste de imagem com esses aparelhos.
Embora os cânceres bucais associados ao papilomavírus ainda sejam raros, normalmente aparecendo próximos à base das amígdalas e na parte de trás da língua, é difícil detectá-los em seus estágios iniciais mesmo com esses aparelhos, disse a doutora Maura L. Gillison, professora de medicina da Universidade Estadual de Ohio e importante especialista em HPV oral.
O doutor Mark Lingen, professor-associado de patologia do Centro Médico da Universidade de Chicago, concordou. “Se não é possível alcançar a parte de trás para examinar,” perguntou, “como o aparelho vai ajudar?”
Mas Epstein afirma que os aparelhos podem ajudar. “Se você é alguém com alto risco de exposição ao HPV, ou seja, fez sexo oral com múltiplos parceiros, você precisa ser examinado com cuidado,” disse. “Pessoas com risco maior talvez possam se beneficiar desses acessórios.”
Truelove, que fez o estudo com o VELscope, disse que não recomendaria os caros exames de imagem para indivíduos comuns, mas acrescentou, “por outro lado, um teste de baixo-custo, digamos, US$ 5, que melhore a habilidade clínica de detectar algo que poderíamos deixar passar é potencialmente útil, particularmente em pessoas que possuem um risco maior para a doença.”
Pesquisadores estão trabalhando no santo graal dos exames de imagem de câncer de boca: um teste que pode analisar a saliva em busca de mudanças nos genes que possam levar à doença.
A maioria dos especialistas concorda que todos deveriam fazer um exame visual completo anual. Um dentista ou higienista treinado deve examinar as bochechas, as gengivas, a base da boca, a área atrás dos dentes, o palato e a área da amídala, puxando para frente a língua – normalmente ao ponto de engasgar. O dentista também deve sentir os gânglios linfáticos do pescoço, às vezes o primeiro sinal visível do câncer de boca.
“A ênfase deve ser dada na educação de médicos a respeito do câncer bucal,” disse Kerr, da Universidade de Nova York. Apenas 60% dos adultos visitam um dentista pelo menos uma vez ao ano, continuou, “os 40% que nunca vão ao dentista provavelmente têm os maiores fatores de risco.”
“Quando ensino meus alunos,” disse, “digo que, no final do dia, tudo que você precisa é ter detectado um paciente com início de câncer para fazer isso pelo resto de sua carreira.”
Fonte: The New York Times