Quando decidiu montar seu próprio negócio, há quinze anos, a dentista Carla Sarni se viu obrigada a optar por instalações modestas. Localizado na Vila Cisper, na zona leste de São Paulo, seu primeiro consultório odontológico ficava na sobreloja de uma padaria. Havia duas cadeiras para atender os pacientes: uma cuja altura era ajustada por manivela e outra comprada em prestações por sua avó. A mobília da recepção era espartana, com alguns banquinhos de madeira e um ventilador. “Foi o que consegui pagar naquele momento”, diz Carla. “Eu era recém-formada e só tinha no bolso as economias de alguns meses de trabalho.” A empresária não sabia, mas, ao abrir a sua clínica na periferia, estava começando a se beneficiar de um dos maiores fenômenos do capitalismo do Brasil: a ascensão da classe C.
Hoje, aos 36 anos, Carla comanda a rede de franquias Sorridents, a maior em número de consultórios odontológicos do País, com 112 pontos de atendimento em oito Estados e faturamento de R$ 100 milhões.
Recentemente, a história da empreendedora e sua cadeia de consultórios populares passou a atrair a atenção dos investidores – e alterou profundamente a rotina da empresa. “Temos recebido a visita de alguns fundos de investimento nacionais e estrangeiros e estamos estudando a possibilidade de atrair um sócio”, diz Carla.
Como parte dos preparativos para a capitalização, Carla tem se esforçado para sofisticar os processos da empresa. Uma das primeiras iniciativas foi na área financeira. De um ano para cá, a Sorridents terceirizou a contabilidade e contratou seu primeiro controller – uma espécie de gerente do fluxo de valores das empresas. Depois dessas mudanças, o termo “margem Ebitda”, um indicador de rentabilidade, passou a ser usado pela primeira vez e os investimentos começaram a ser separados das despesas nos balanços.
Em outra frente, a Sorridents aprimorou seu sistema de informática de modo a conseguir informações mais detalhadas sobre o fluxo de caixa. Desde 2007, a empresa consegue medir com precisão o gasto médio dos pacientes, a rentabilidade de cada serviço e a trajetória detalhada dos clientes.
Nem todas as medidas, porém, deram certo. Em meados do ano passado, Carla decidiu dar o passo definitivo de qualquer empresa que busca um fundo como sócio: profissionalizar a gestão. O executivo George Washington Mauro, ex-diretor do Grupo Pão de Açúcar e sócio da consultoria de headhunting Odgers Berndtson, foi contratado para assumir a presidência da Sorridents no lugar de Carla. Seis meses depois, porém, Mauro está de saída. “A vinda dele acabou pesando demais no nosso caixa. Demos um passo maior do que poderíamos”, diz Cleber Soares, vice-presidente da empresa e marido de Carla. Pelo menos por enquanto, a gestão permanecerá nas mãos do casal.
O modelo de negócios que permitiu a expansão da Sorridents na classe C se apoia na flexibilidade de pagamento. Quase 30% das vendas são realizadas em um esquema semelhante ao pré-pago: o cliente paga o que puder, em dinheiro, à medida em que o tratamento é realizado. Desse modo, serviços que poderiam ser concluídos em semanas chegam a levar até um ano.
Outra forma de financiamento é por meio de boletos bancários. Trata-se de um modelo usado por quase 15% dos pacientes que usam aparelhos ortodônticos e precisam fazer manutenção mensal. Como as consultas só são realizadas com os pagamentos em dia, os clientes acabam cumprindo as parcelas para continuar o tratamento.
A maior parte dos clientes, porém, paga parcelado por meio de cartões de crédito ou em até 12 vezes no cheque. “A classe C já compra TV de plasma e carro financiados. Por que não um sorriso?”, diz Soares.
Embora a maior parte dos pontos de atendimento da Sorridents esteja localizada em bairros de periferia, é um equívoco imaginar que as clínicas são ambientes descuidados. Ao contrário do primeiro consultório de Carla, os atuais são bem iluminados e decorados, e os insumos utilizados obedecem a rigorosos padrões de qualidade.
O aparente paradoxo – entre a qualidade do atendimento e sua acessibilidade – pode ser explicado por uma decisão tomada há dez anos. Na época, a Sorridents parou de receber pacientes de planos odontológicos a fim de se concentrar nos atendimentos particulares, com margens mais altas. “Os planos ficam com fatias que vão de 50% a 70% da receita dos nossos procedimentos”, diz o dono de um consultório concorrente que não quis ser identificado.
A distância dos planos odontológicos é uma das explicações para o crescimento da Sorridents, mas é possível que se torne um de seus grandes problemas daqui para a frente. O fato é que o processo de consolidação dos planos nos últimos anos criou um fenômeno grande demais para ser ignorado. Hoje, 11 milhões de brasileiros possuem planos odontológicos – um segmento que cresce a uma taxa de 19% ao ano, contra 5% dos planos de saúde em geral. O negócio passou a atrair a atenção de empresas como o Bradesco, que se associou à operadora Odontoprev no ano passado, e o GP Investimentos, maior fundo de private equity do País, controlador da operadora Tempo Participações. Segundo executivos do setor, o Banco do Brasil, que ainda não tem presença nesse mercado, busca alvos para aquisições.
“Sabemos que o setor caminha para a direção dos planos, mas também não podemos deixar a qualidade de lado”, diz Carla. Para não perder espaço, a Sorridents já cogita se associar a operadoras que permitam margens maiores e também pretende criar seu próprio plano odontológico. Nesse caso, a empresa terá de concorrer com gigantes com maior poder de investimento, canais de distribuição consolidados e contato mais próximo com as empresas, as grandes compradoras de planos. Ou seja, a Sorridents terá de se esforçar para oferecer planos a preços competitivos – e não perder a preferência dos consumidores que a fizeram chegar até aqui
-
-
Fonte: Assessoria de imprensa