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Uma jovem dentista perguntou a um experiente consultor:
– Quanto tempo é preciso para se ter sucesso na profissão?
– 10 anos – respondeu o consultor
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– 10 anos?! Tá louco? Quero isso para o ano que vem! – e saiu bufando.
Inconformada com a resposta, a jovem doutora procurou novamente o consultor.
– Fala sério, vai: em quanto tempo serei uma profissional bem sucedida?
– 15 anos – respondeu o consultor
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– Tá de brincadeira? Você me disse 10 anos outro dia! Você tá doido… – e foi embora mais nervosa.
Passada a raiva e ávida por uma resposta à sua dúvida, ela buscou novamente o consultor.
-Agora sem tirar comigo: em quanto tempo terei sucesso?
-20 anos – respondeu pacientemente o consultor.
– Não estou entendendo, cada vez que te pergunto isso, mais você aumenta o tempo para ter sucesso. Por quê?
– Porque com a pressa que você tem, vai demorar muito tempo para ser bem sucedida.
Adaptei essa antiga história ao nosso universo para ilustrar o que considero ser um dos problemas da profissão de cirurgião-dentista: a pressa. Pressa para fazer uma especialização, conseguir clientes, encontrar um lugar no mercado, ter status, dinheiro, enfim, pressa para viver.
Daí, quando as coisas não acontecem na intensidade e velocidade desejada, surge aquela incômoda sensação de frustração e de fracasso. Corremos tanto que nem percebemos por onde andamos e por quem passamos. Apenas seguimos em frente com o nosso olhar fixo na abstração do sucesso e ele não se concretiza.
Esse comportamento desarvorado é fruto de um conceito fragmentado e incompleto da nossa profissão. Baseado nesse estilo “pega prá capar” da carreira, o dentista age como o dono de uma fábrica que precisa produzir cada vez mais e mais rápido. Sua cadeira e equipo transformam-se numa linha de produção por onde passam as peças: as bocas dos pacientes. Outros ficam parecidos com um comerciante que precisa vender rapidamente o estoque para fazer dinheiro. Sua vida é fechar orçamentos. Barriga no balcão e olhos nos bolsos do cliente.
Ocorre que um consultório de odontologia não é uma indústria e muito menos um comércio. Não produzimos e nem vendemos produtos: prestamos serviços. Neste sentido, somos como o lavador de carro, mas com uma grande e fundamental diferença: enquanto ele presta seus serviços em um objeto inanimado, nós dentistas prestamos nossos serviços no corpo das pessoas. Pessoas que, diferente de um carro, sentem, pensam, falam possuem valores e se relacionam.
Gente com gente
A matéria-prima do dentista é gente e aí reside todo o problema e também a solução. Ocorre que aprendemos na faculdade a cuidar da boca e seu entorno, ou seja, de apenas um dos aspectos do ser humano: o biológico. Somos experts em células e tecidos e sabemos como ninguém como tudo isso funciona. Ao mesmo tempo, dominamos modernas técnicas que eliminam doenças e restauram o mal que elas causam. Interferimos de forma benéfica na forma, arranjo e cores dos dentes, restabelecendo função e estética. Como magos, transformamos sapos em príncipes e princesas.
A habilidade para fazer isso adquirimos nas universidades, em cursos de graduação e pós-graduação. Ali somos convencidos de que a competência técnica basta para termos sucesso, mas trata-se de uma visão míope, incompleta. O saber técnico-científico é necessário, mas não é suficiente e o motivo é simples: gente não é apenas um conjunto de tecidos biológicos que anda, fala e paga. Esse olhar distorcido e reducionista do ser humano, vendido e revendido a nós dentistas, é uma das fontes de frustração com a profissão. É uma crença que nega o fato de que as pessoas possuem outras duas outras importantes dimensões sobre as quais pouco ou nada nos é ensinada: as dimensões psíquica e sociocultural. Muito embora existam nos currículos dos cursos, disciplinas que tratem do assunto, elas são eclipsados pelo saber técnico. São vistas por mestres e alunos como perdas de tempo, saberes sem significado prático.
Estou sendo muito filosófico? Então vou colocar isso na frigideira quente da realidade. Aquele “caso de endo”, fácil de resolver com a técnica que aprendemos em um conceituado curso de especialização, vira-se para nós e, indignado, reclama do nosso atraso de 30 minutos que fez com que ele perdesse um compromisso de família. A “endo” ficou brava, sentiu-se desrespeitada. Neste momento, independente do nosso saber técnico, batemos de frente com o ser humano em sua totalidade – bio-psico-sóciocultural – “dando um piti” na sala de espera e ainda exigindo o dinheiro de volta, pois irá procurar outro dentista mais pontual.
Ou seja, o dentista profissionalmente preparado para lidar com o problema biológico torna-se um amador quando se trata de lidar com a psique e com a vida social daquela pessoa. Nossos cursos de graduação ou pós-graduação nos ensinaram a lidar com isso? Não, mas deveriam, pois além do corpo físico, nossos pacientes possuem uma inseparável psique e também uma bagagem histórica, sócio-cultural. Esse é um combo com o qual não sabemos lidar. Diante dele, somos apenas 1/3 do profissional que deveríamos ser por temos apenas 1/3 das competências que deveríamos ter.
Agora, junte a esse cenário a pressa por resultados e teremos uma fotografia trágica, mas realista, do despreparo e desespero de muitos dentistas hoje. Um profissional incompleto (apenas técnico) com uma pressa incomensurável de vencer, hora se sentindo um operário na linha de produção, hora se vendo como um vendedor correndo atrás da meta, mas incapaz de se relacionar com a complexidade humana.
A prosperidade dos agricultores
Por outro lado, verificamos que muitos colegas alcançaram o sucesso e a bem-aventurança. Como? Basicamente porque mudaram a forma de ver e viver a profissão, superando os modelos industrial e mercantil. Não são nem operários nem vendedores: são agricultores!
Acredito que o setor de serviços (onde atuamos) é muito parecido com a agricultura. Neste sentido, o dentista é um cultivador que planta algo muito especial: pessoas. É a sua cultura. Seu trabalho é arar, plantar, aguardar e colher fazendo isso todos os dias, com perseverança. Quando enxergamos cada cliente, cada colaborador, cada fornecedor, cada colega como uma planta a ser cultivada e os tratamos como tal, os frutos começam a surgir de forma natural.
Porém, muitos dentistas não querem aguardar. Buscam uma receita infalível, pronta e fácil de ser aplicada. Desejam o segredo do sucesso em 10 lições práticas, por meio de um curso rápido, um DVD, uma revista ou em meia dúzia de conselhos de um consultor. Entretanto, o dia-a-dia é diferente, cheio de dúvidas, contingências, aborrecimentos, sacrifícios, uma realidade que exige esforço e paciência. Aprender, trabalhar e aguardar são as competências essenciais de um bom dentista agricultor, nutrido pela fé, amor às pessoas e por paixão pelo que faz.
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